Poemas Malditos III

Passou El-Rei ali com seus fidalgos.
Iam a degolar uns insolentes
Que ousaram murmurar da infâmia régia,
Das nódoas de uma vida libertina!
Iam em grande gala. O Rei cismava
Na glória de espetar no pelourinho
A cabeça de um pobre degolado.
Era um rei bon-vivant, e rei devoto;
E, como Luís XI, ao lado tinha
O bobo, o capelão e seu carrasco.

O cavalo do Rei, sentindo o morto,
-Trêmulo de terror parou nitrindo.
Deu d'esporas leviano o cavaleiro
E disse ao capelão:

'E não enterram
Esse homem que apodrece, e no caminho
Assusta-me o corcel?'
Depois voltou-se

E disse ao camarista de semana:
'Conheces o defunto? Era inda moço.
Faria certamente um bom soldado.
A figura é esbelta! Forte pena!
Podia bem servir para um lacaio.'

Descoberto, o faceiro fidalgote
Responde-lhe fazendo a cortesia:
'Pelas tripas do Papa! eu não me engano,
Leve-me Satanás se este defunto
Ontem não era o trovador Tancredo!'

'Tancredo'! murmurou erguendo os óculos
Um anfíbio, um barbaças truanesco.

Alma de Tribouler, que além de bobo
Era o vate da corte-bem nutrido,
Farto de sangue, mas de veia pobre,
Caídos beiços, volumoso abdômen,
Grisalha cabeleira esparramada,
Tremendo narigão, mas testa curta;
Em suma um glosador de sobremesas.

'Tancredo! - repetiu imaginando-
Um asno! só cantava para o povo!
Uma língua de fel, um insolente!
Orgulho desmedido... e quanto aos versos
Morava como um sapo n'água doce...
Não sabia fazer um trocadilho...'

O rei passou-com ele a companhia.
Só ficou ressupino e macilento
Da estrada em meio o trovador defunto.

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