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Quarto / As Ilhas Afortunadas

Que voz vem no som das ondas
Que não é a voz do mar?
É a voz de alguem que nos falla,
Mas que, se escutarmos, cala,
Por ter havido escutar.

E só se, meio dormindo,
Sem saber de ouvir ouvimos,
Que ella nos diz a esperança
A que, como uma criança
Dormente, a dormir sorrimos.

São ilhas afortunadas,
São terras sem ter logar,
Onde o Rei mora esperando.
Mas, se vamos dispertando,
Cala a voz, e ha só o mar.

Terceiro / O Desejado

Onde quer que, entre sombras e dizeres,
Jazas, remoto, sente-te sonhado,
E ergue-te do fundo de não-seres
Para teu novo fado!

Vem, Galaaz, com patria, erguer de novo,
Mas já no auge da suprema prova,
A alma penitente do teu povo
À Eucharistia Nova.

Mestre da Paz, ergue teu gladio ungido,
Excalibur do Fim, em geito tal
Que sua Luz ao mundo dividido
Revele o Santo Gral!

Segundo / O Quinto Impèrio

Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!

Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz—
Ter por vida a sepultura.

Eras sobre eras se somem
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!

E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra será theatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou.

Com que voz chorarei meu triste fado

Com que voz chorarei meu triste fado,
que em tão dura prisão me sepultou,
que mór não seja a dor que me deixou
o tempo, de meu bem desenganado?

Mas chorar não se estima neste estado,
onde suspirar nunca aproveitou;
triste quero viver, pois se mudou
em tristeza a alegria do passado.

Assi a vida passo descontente,
ao som nesta prisão do grilhão duro
que lastima o pé que o sofre e sente!

De tanto mal a causa é amor puro,
devido a quem de mi tenho ausente
por quem a vida, e bens dela, aventuro.

Solemnemente

Solemnemente
Carneirissimamente
Foi approvado
Por toda a gente
Que é, um a um, animal,
Na assembleia nacional
Em projecto do José Cabral.

Está claro
Que isso tudo
É desse pulha austero e raro
Que, em virtude de muito estudo,
E de outras feias coisas mais
É hoje presidente do conselho,
Chefe de infernanças animaes,
E astro de um estado novo muito velho.

Que quadra
Isso com qualquer coisa que se faça?
Nada.
A Egreja de Roma ladra
E a Maçonaria passa.

E elles todos a pensar
Na victoria que os uniu

Canto a Leopardi

Ah, mas da voz exanime pranteia
O coração afflicto respondèndo:
“Se é falsa a idéa, quem me deu a idéa?
Se nao ha nem bondade nem justiça
Porque è que anceia o coração na liça
Os seus inuteis mythos defendendo?

Se é falso crer num deus ou num destino
Que saiba o que é o coração humano,
Porque ha o humano coração e o tino
Que tem do bem e o mal? Ah, se é insano
Querer justiça, porque qu'rer justiça
Quere o bem, para que o bem querer?
Que maldade, que que injustiça
Nos fez p'ra crer, se não devemos crer?

Se o dubio e incerto mundo,

Cão que veio do abysmo, O

O cão que veio do abysmo
Roeu-me os ossos da alma,
E erguendo a perna—o que eu scismo—
Mijou no meu mysticísmo
Que me dava a minha calma.

O cão veio dé onde dorme
Aquelle anseio que tenho
Por qualquer coisa de, enorme
Que indistinctamente forme
A forma de quanto extranho.

E depois de isso completo
O cão que veio do abysmo
Que estava inteiro e repleto
Fez sobre tudo o dejecto
Que é hoje o meu mysticismo.